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Por Administrador em 30 de julho de 2020 | Categoria: Artigos

I- INTRODUÇÃO

Como sabemos, a Suprema Corte concluiu o julgamento do Tema 709, através do RE 791.961/PR, afetado para dirimir a seguinte controvérsia: “discussão acerca da possibilidade de percepção do benefício da aposentadoria especial independentemente do afastamento do beneficiário das atividades laborais nocivas à saúde”.

Cumpre somente anotar que o Apelo Extremo RE 788.092/SC inicialmente eleito pelo Excelso Pretório como paradigma, em 2016 foi substituído pelo acima mencionado, efetivamente levado ao Plenário.

A celeuma reside em saber se a vedação ao titular de aposentadoria especial, de permanecer no exercício de atividade danosa à saúde ou a ela retornar, proibição esta imposta pela Medida Provisória 1.729, de 02/12/1998, convolada na Lei 9.732, de 11/12/1998, encontra amparo constitucional ou não.

Referido diploma legal inseriu um parágrafo 8º, no artigo 57 da Lei 8.213/91, tratando justamente do impedimento em foco.

É que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao examinar o Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade nº 5001401-77.2012.4.04.0000[1], concluiu que a proibição à continuidade do desempenho do labor deletério ou a retomada do mesmo pelo segurado em gozo de aposentadoria especial, imposta pela inovação legal acima descrita, é inconstitucional por ferir, dentre outros ditames, o princípio do livre exercício do trabalho, garantia individual fundamental esculpida no artigo 5º, XIII, da Carta da República.

O acórdão da Corte Especial do mencionado Sodalício Regional restou assim ementado:

“PREVIDENCIÁRIO. CONSTITUCIONAL. ARGUIÇÃO DE INCONSTUCIONALIDADE. § 8º DO ARTIGO 57 DA LEI Nº 8.213/91. APOSENTADORIA ESPECIAL. VEDAÇÃO DE PERCEPÇÃO POR TRABALHADOR QUE CONTINUA NA ATIVA, DESEMPENHANDO ATIVIDADE EM CONDIÇÕES ESPECIAIS.

1. Comprovado o exercício de atividade especial por mais de 25 anos, o segurado faz jus à concessão da aposentadoria especial, nos termos do artigo 57 e § 1º da Lei 8.213, de 24-07-1991, observado, ainda, o disposto no art. 18, I, ‘d’ c/c 29, II, da LB, a contar da data do requerimento administrativo.

2. O § 8º do artigo 57 da Lei nº 8.213/91 veda a percepção de aposentadoria especial por parte do trabalhador que continuar exercendo atividade especial.

3. A restrição à continuidade do desempenho da atividade por parte do trabalhador que obtém aposentadoria especial cerceia, sem que haja autorização constitucional para tanto (pois a constituição somente permite restrição relacionada à qualificação profissional), o desempenho de atividade profissional, e veda o acesso à previdência social ao segurado que implementou os requisitos estabelecidos na legislação de regência.

3. A regra em questão não possui caráter protetivo, pois não veda o trabalho especial, ou mesmo sua continuidade, impedindo apenas o pagamento da aposentadoria. Nada obsta que o segurado permaneça trabalhando em atividades que impliquem exposição a agentes nocivos sem requerer aposentadoria especial; ou que aguarde para se aposentar por tempo de contribuição, a fim de poder cumular o benefício com a remuneração da atividade, caso mantenha o vínculo; como nada impede que se aposentando sem a consideração do tempo especial, peça, quando do afastamento definitivo do trabalho, a conversão da aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial. A regra, portanto, não tem por escopo a proteção do trabalhador, ostentando mero caráter fiscal e cerceando de forma indevida o desempenho de atividade profissional.

4. A interpretação conforme a constituição não tem cabimento quando conduz a entendimento que contrarie sentido expresso da lei.

5. Reconhecimento da inconstitucionalidade do § 8º do artigo 57 da Lei nº 8.213/91” (TRF4, Arguição de Inconstitucionalidade – Processo 5001401-77.2012.404.0000, Corte Especial, Rel. Des. Fed. Ricardo Teixeira do Valle Pereira, j. 24/05/12). 

E, com base nesse precedente, a 6ª Turma do TRF da 4ª Região deu provimento à apelação da segurada Cacilda Dias Theodoro, para fins de determinar a concessão de aposentadoria especial desde a citação, mediante reafirmação da DER, afastando a incidência do § 8º, do artigo 57 da Lei 8.213/91, inserido pela Lei 9.732/98 (processo 5002182-13.2010.404.7003/PR).

Por fim, a autarquia interpôs Recurso Extraordinário em desfavor da aludida decisão do citado Pretório Regional, recepcionado pela Suprema Corte como substituto do leading case anteriormente afetado.

Assim, o presente trabalho pretende analisar a decisão proferida pelo Plenário do Pretório Máximo, e os possíveis desdobramentos que poderão advir em decorrência do julgamento em tela, concluído em 08/06/2020, cujo acórdão ainda não havia sido publicado quando da elaboração deste singelo estudo.

II – QUESTÃO CENTRAL

Portanto, como já relatado, coube ao STF em sede de Recurso Extraordinário com Repercussão Geral, conformar a jurisprudência pátria acerca do impedimento à manutenção do exercício de trabalho insalutífero pelo titular de aposentadoria especial, imposto pelo § 8º, do artigo 57 da Lei 8.213/91, incluído pela Lei 9.732/98.

Inicialmente importante se faz a transcrição do dispositivo em estudo:

“Art. 57, § 8º. Aplica-se o disposto no art. 46 ao segurado aposentado nos termos deste artigo que continuar no exercício de atividade ou operação que o sujeite aos agentes nocivos constantes da relação referida no art. 58 desta Lei”.  

Por seu turno, estabelece o mencionado artigo 46, do PBPS:

“Art. 46. O aposentado por invalidez que retornar voluntariamente à atividade terá sua aposentadoria automaticamente cancelada, a partir da data do retorno”.

Na obra “Aposentadoria Especial Antes e Depois da Reforma da Previdência”[2], publicada pela Editora LuJur em 05/06/2020, portanto apenas três dias antes do julgamento do Tema 709 pelo Supremo Tribunal Federal, tivemos a oportunidade de defender o cabimento da proibição em análise, contrapondo a robusta fundamentação expendida pelo TRF da 4ª Região no Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade alhures descrito (processo 5001401-77.2012.4.04.0000), nos seguintes termos:

“Entendemos, com o devido respeito aos posicionamentos contrários, que referida decisão é equivocada, visto que contraria a própria essência da aposentadoria especial. Este benefício, ao permitir que o trabalhador ‘se retire aos seus aposentos’ mais cedo, para preservar o que ainda resta da sua saúde, presumidamente combalida devido a diversos anos de sujeição a agentes perniciosos, demonstra seu caráter preventivo, pois visa evitar um maior comprometimento salutar do segurado.

Ora, permitir que o laborista se aposente em tempo inferior que os demais por estar exposto a condições prejudiciais à sua saúde, e ainda assim autorizar que, quando em gozo desse benefício antecipado, permaneça na atividade deletéria, sujeito aos mesmos agentes agressivos que possibilitaram sua inativação mais cedo, contraria a essência protetiva/preventiva da norma, além de ferir a lógica e a razoabilidade.

Sabemos que é extremamente temeroso possibilitar que se flexibilize garantia fundamental do cidadão, no caso o direito ao livre exercício do trabalho. Mas na situação ora estudada, consentir que continue laborando submisso aos mesmos agentes que permitiram sua inativação antecipada, geraria grave incongruência jurídica, vedada pelo ordenamento pátrio, onde deve prevalecer a razoabilidade”.

E, acrescendo outros valiosos, concretos e vigorosos fundamentos aos acima expendidos, a decisão proferida pela Suprema Corte em defesa da constitucionalidade do impedimento constante do § 8º, do artigo 57 da Lei 8.213/91, teve como diretriz principal que eventual persistência no desenvolvimento da labuta daninha pelo segurado que percebe aposentadoria especial, agride com veemência o caráter preventivo/protetivo da inativação antecipada.

Possibilitar ao segurado submisso a agentes agressivos que se jubile antes dos demais, que não sofrem tal exposição, exatamente para que possa resguardar o que restou da sua saúde, presumidamente afetada em decorrência da sujeição por vários anos a elementos insalutíferos, e, após aposentado antecipadamente, permitir que continue desempenhando ofício que acarrete decréscimo salutar ou que a ele retorne, traduz-se em repúdio e inaceitável afronta à precípua finalidade preventiva da aposentação especial.

Nesse diapasão, urge destacar do voto-condutor do RE 791.961/PR, da pena do Eminente Ministro Dias Toffoli[3]:

“Ora, se a presunção de incapacidade é, consoante dito, absoluta; se a finalidade da instituição do benefício em questão é, em essência, resguardar a saúde e o bem-estar do trabalhador que desempenha atividade especial; se o intuito da norma ao possibilitar a aposentadoria antecipada é justamente retirá-lo do ambiente insalubre e prejudicial a sua incolumidade física, a fim de que não tenha sua integridade severa e irremediavelmente afetada, qual seria o sentido de se permitir que o indivíduo perceba a aposentadoria especial mas continue a desempenhar atividade nociva? Como se nota, sob essa óptica, a previsão do art. 57, § 8º da Lei n.o 8.213/91 é absolutamente razoável e consentânea com a vontade do legislador.

Desarrazoado, ilógico e flagrantemente contrário à ideia que guiou a instituição do benefício é, justamente, permitir o retorno ao labor especial ou sua continuidade após a obtenção da aposentadoria – prática que contraria em tudo o propósito do benefício e que significa ferir de morte sua razão de ser.

(…)

Dito em outras palavras, a aposentação é oportunizada em condições mais vantajosas, mas em contrapartida espera-se o afastamento do labor especial, uma vez que a presunção de incapacidade é absoluta e o que se busca é preservar a saúde provavelmente debilitada pelos esforços levados a cabo por meio de um descanso precoce”.

Ademais, como sabiamente destacado pelo D. Relator, a proibição alvo da controvérsia não se dá para o exercício de toda e qualquer atividade laboral, mas tão somente daquelas com sujeição a elementos nocentes, submissão esta que ensejou a inativação precoce.

Pode o segurado titular de aposentadoria especial, caso assim pretenda ou necessite, desenvolver qualquer ocupação, de filiação obrigatória à Previdência Social ou não, desde que não seja prejudicial à sua saúde, a qual, como já dito, foi de certa forma minorada e agredida durante os anos nos quais se ativou sujeito a condições deletérias, que por seu turno viabilizaram a concessão da aposentação antecipada.

E, exatamente por permitir ao segurado já aposentado de forma especial que desenvolva qualquer ofício, desde que não seja insalubre, é que a proibição de continuação da atividade inóspita ou o regresso a ela não ofende a fundamental garantia do livre exercício do trabalho, estampada no artigo 5º, XIII da Lei Maior.

Como expendido na obra “Aposentadoria Especial Antes e Depois da Reforma da Previdência”, em fragmento já acima transcrito, via de regra é de certa maneira temerário que se flexibilize a aplicação e observância de garantias fundamentais do cidadão, in casu, a do livre exercício do labor, reputada pela Corte Especial e   pela 6ª Turma do TRF da 4ª Região como severamente violada, pelo impedimento contido no § 8º, da Lei 8.213/91.

No entanto, estamos diante de evidente conflito entre princípios fundamentais: de um lado o direito à saúde e, por conseguinte, à vida, que presumidamente a proibição em foco visa prestigiar e preservar, e, na outra banda, a garantia do livre exercício do labor.

Em situações como a presente, a doutrina e melhor jurisprudência têm decidido pelo sopesamento dos valores e conceitos em tese conflitantes.

Nessa toada cumpre trazer à baila trecho do voto do Ínclito Ministro Alexandre de Moraes, proferido no Recurso Extraordinário 791.961/PR[4] ora em exame, através do qual o citado julgador também concluiu pela constitucionalidade da vedação do retorno ou continuidade do exercício de atividade inóspita, por parte do segurado titular de aposentadoria especial. Vejamos:

“Com efeito, a Constituição Federal assegura, em diversos dispositivos, o direito fundamental à saúde. Especificamente quanto à saúde do trabalhador, o artigo 7º, XXII, assegura que são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.

Nesse cenário, a aposentadoria especial surge como instrumento de concretização do direito à saúde do segurado, garantido, inclusive, pelo artigo 201, §1o, da Magna Carta.

Noutra seara, a Magna Carta, no seu artigo 5o, XIII, dispõe que a todos é livre o exercício de trabalho, ofício ou profissão. Dessa forma, indaga-se: como harmonizar direitos fundamentais, aparentemente conflitantes, expressamente previstos na norma constitucional?

Tradicionalmente, prevaleceu o entendimento de que o conflito entre regras se resolveria na ideia do “tudo ou nada”, consoante os critérios da especialidade, hierarquia e cronologia.

Atualmente, já nos afastamos da obrigatoriedade engessada dessa forma de resolução de conflitos, de forma que, à semelhança da colisão entre princípios, poderemos resolver o aparente conflito entre regras com a aplicação do critério da ponderação de interesses e valores”.

Destarte, finalizando este tópico, concessa maxima venia aos posicionamentos contrários, entendemos como acertada a decisão do Excelso Pretório na parte que toca à constitucionalidade do impedimento constante do § 8º, do artigo 57 da Lei 8.213/91, proibição esta consentânea com a finalidade principal da aposentadoria especial, de caráter preventivo/protetivo, pois ao permitir que o labutador exposto a condições agressivas de trabalho se jubile antes dos demais, para que possa resguardar sua situação salutar já prejudicada em razão da exposição a agentes perniciosos por longos anos, contempla os fundamentais direito à saúde (e, via de consequência, à vida), a um meio ambiente de trabalho seguro e sadio, além de outros descritos nos sábios votos que compuseram o julgamento em análise.

Ademais, o segurado que percebe aposentadoria especial não está proibido de exercer qualquer atividade laboral, mas tão somente aquelas ensejadoras e motivadoras da sua jubilação antecipada, quais sejam, as que são desenvolvidas com exposição a elementos nocentes, restando, assim, preservado o livre exercício do trabalho.

III – POSSÍVEIS DESDOBRAMENTOS

3.1) Termo inicial.

No Apelo Extremo em estudo, após atacar a decisão recorrida e defender a compatibilidade do impedimento trazido pela Lei 9.732/98 com o texto constitucional, o INSS requereu o provimento do apelo para que, no caso concreto, o termo inicial da aposentadoria especial concedida fosse fixado na data do afastamento da segurada/recorrida, e não na Data de Entrada do Requerimento, além de postular a autorização para cancelamento da prestação caso a segurada voltasse a desenvolver labor deletério.

Com o esperado acerto, a Suprema Corte decidiu que o dies a quo da aposentação especial deve corresponder à Data de Entrada do Requerimento (DER), podendo o benefício ser cancelado em caso de continuidade ou retorno à atividade danosa.

É o que exsurge da tese firmada no leading case, mais precisamente no item II:

“ii) Nas hipóteses em que o segurado solicitar a aposentadoria e continuar a exercer o labor especial, a data de início do benefício será a data de entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, os efeitos financeiros. Efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na judicial a implantação do benefício, uma vez verificado o retorno ao labor nocivo ou sua continuidade, cessará o benefício previdenciário em questão”.

A conclusão de prevalência da Data de Entrada do Requerimento (DER) para fins de fixar o marco inicial da inativação especial, inclusive para fruição dos efeitos financeiros, em detrimento de qualquer outra que possa ser adotada para tais finalidades, confirma remansoso discernimento da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, externado em sede de Incidente de Uniformização de Jurisprudência[5], com a seguinte ementa:

“PREVIDENCIÁRIO. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. APOSENTADORIA ESPECIAL. TERMO INICIAL: DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO, QUANDO JÁ PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA PROVIDO.

1. O art. 57, § 2º, da Lei 8.213/91 confere à aposentadoria especial o mesmo tratamento dado para a fixação do termo inicial da aposentadoria por idade, qual seja, a data de entrada do requerimento administrativo para todos os segurados, exceto o empregado.

2. A comprovação extemporânea da situação jurídica consolidada em momento anterior não tem o condão de afastar o direito adquirido do segurado, impondo-se o reconhecimento do direito ao benefício previdenciário no momento do requerimento administrativo, quando preenchidos os requisitos para a concessão da aposentadoria.

3. In casu, merece reparos o acórdão recorrido que, a despeito de reconhecer que o segurado já havia implementado os requisitos para a concessão de aposentadoria especial na data do requerimento administrativo, determinou a data inicial do benefício em momento posterior, quando foram apresentados em juízo os documentos comprobatórios do tempo laborado em condições especiais.

4. Incidente de uniformização provido para fazer prevalecer a orientação ora firmada” (STJ, Petição 9.582/RS, 1ª Seção, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 26/08/2015, DJe 16/09/2015).

Do lapidar voto-condutor, clama por transcrição o trecho que invoca ensinamento do Prof. José Antônio Savaris, uma das maiores autoridades pátrias em Direito Previdenciário, verbis:

“7. Sobre essa questão, cumpre trazer a lição do Professor JOSÉ ANTÔNIO SAVARIS:

‘Não se deve condicionar o nascimento de um direito (já incorporado ao patrimônio e à personalidade de seu titular) ao momento em que se tem por comprovado os fatos que lhe constituem, por algumas razões elementares: primeiro, seria o caso de enriquecimento ilícito do devedor, que teria todo estímulo para embaraçar a comprovação do fato que lhe impõe o dever de pagar, possibilitando-se a violação de tradicional princípio do direito civil, segundo o qual ninguém pode valer-se da própria torpeza; segundo, restaria fulminado o instituto do direito adquirido, pois se somente nasce o direito com a comprovação cabal de sua existência, então nada se adquiriu; terceiro, não há qualquer norma jurídica, em qualquer seara do ordenamento posto sob às luzes de um Estado de Direito, a condicionar os efeitos de um direito adquirido ao momento de sua comprovação; a regra contida no art. 41-A, § 3o. da Lei 8.213/91, por versar sobre a data de início do pagamento e não data de início de benefício, não guarda qualquer pertinência com a questão, concessa maxima venia de quem entende no sentido contrário; quarto, inexiste raiz hermenêutica que permita a construção de um mecanismo de acertamento de relação jurídica que tenha por dado fundamental o momento em que o magistrado tem por comprovado determinado fato; quinto, estaria criada uma penalização pela inércia na comprovação dos fatos constitutivos de um direito sem qualquer amparo legal’ (Benefícios Programáveis do Regime Geral de Previdência Social – Aposentadoria por Tempo de Contribuição e Aposentadoria por Idade, In: Curso de Especialização em Direito Previdenciário, Juruá, 2006, p. 110-111).

A preciosa ensinança do Mestre Savaris, trazida à colação pelo Ínclito Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, no que foi seguido por seus pares da 1ª Seção do STJ (votação unânime), é perfeita e não demanda maiores digressões: o termo inicial da aposentação especial deve ser fixado na Data de Entrada do Requerimento, e, por conseguinte, seus efeitos financeiros, ainda que a comprovação da situação que deu azo à concessão da inativação antecipada ocorra em momento posterior, como, por exemplo, em sede de perícia técnica realizada no curso de demanda judicial que persiga o reconhecimento do direito à mencionada prestação.

Podemos, ainda, apenas com o fito de enrobustecer a fundamentação expendida no voto em análise, acrescer que é DEVER do servidor autárquico orientar o segurado na busca pela concessão do melhor benefício, conforme sólido e tradicional entendimento do antigo Conselho de Recursos da Previdência Social, exarado no Enunciado nº 05[6], editado em 02/12/1993 pela Resolução 02/1993 (DOU 18/01/94), e repetido no artigo 687, da Instrução Normativa 77/2015[7], atualmente vigente.

É que o exercício da advocacia previdenciária por mais de 23 anos nos permite afirmar, com absoluta segurança, que na seara administrativa, na imensa maioria das vezes, as disposições acima citadas atinentes à persecução da melhor prestação não são observadas pois, ao submeter sua documentação à análise do instituto, em especial suas carteiras de trabalho, apesar do segurado possuir períodos com claríssimas evidências de especialidade, inclusive passíveis de enquadramento por categoria profissional (até 28/04/95), os servidores da autarquia não costumam orientar o obreiro acerca da viabilidade do reconhecimento destes lapsos como especiais, cientificando-o sobre o acréscimo temporal que advém desta caracterização e suas consequências, como, por exemplo, a majoração do tempo de contribuição e da renda mensal do benefício, tampouco alertam sobre a possibilidade de concessão da aposentação antecipada que traria, dentre outras ocorrências, o afastamento do famigerado fator previdenciário.

O resultado dessa omissão administrativa é que o segurado somente adquire ciência acerca da possibilidade de elevação do seu tempo de contribuição, decorrente do enquadramento como especial e consequente conversão para comum de eventuais períodos de labor nocente, ou, ainda, da viabilidade de outorga da inativação antecipada, após o processamento e indeferimento do seu pleito administrativo de aposentação, quando se socorre do auxílio de algum causídico para assessora-lo na obtenção da benesse perseguida, ou para aumentar o valor da prestação eventualmente concedida de forma minorada.

Assim, fixar a Data de Entrada do Requerimento (DER) em detrimento de qualquer outra, como termo inicial do benefício, mormente da aposentadoria especial, cuja comprovação pode ser considerada como mais complexa e dificultosa que aquelas exigidas para os demais benefícios, é medida mais que acertada pois respeita a aplicação do disposto no artigo 57, § 2º, cumulado com o artigo 49, ambos da Lei 8.213/91; enaltece o princípio da busca pelo melhor benefício, expressamente previsto nos regramentos normativos administrativos acima citados; prestigia a fundamental garantia do direito adquirido; observa o princípio da legalidade/anterioridade da lei vez que, como apontado pelo Prof. Savaris, não há comando legal que autorize a vinculação dos efeitos de um direito adquirido ao momento da sua efetiva comprovação, e, muitos outros fundamentos técnico/jurídicos que podemos invocar para defender a prevalência da DER.

Portanto, ainda que não fosse o cerne da controvérsia reputada pelo STF como de repercussão geral, a decisão do Tema 709 trouxe um bom alento ao segurado exposto a condições especiais, pois forneceu a este trabalhador fortíssimo precedente jurisprudencial no sentido de ter reconhecido seu direito à aposentação especial, ou, quem sabe até à inativação comum (por tempo de contribuição ou, se nos moldes atuais, programada), desde o momento da postulação administrativa.

3.2) Cancelamento ou suspensão da aposentadoria especial?

Inicialmente cabe tecer algumas críticas ao propalado cancelamento da aposentação especial, previsto no § 8º, do artigo 57 da Lei 8.213/91, incluído pela Lei 9.732/98.

É que ao impedir a permanência na atividade agressiva ou o retorno à mesma, a inovação legislativa trazida pela Lei 9.732/98 estabelece que, nestes casos, será aplicado o artigo 46, da Lei 8.213/91, ora repisado:

“Art. 46. O aposentado por invalidez que retornar voluntariamente à atividade terá sua aposentadoria automaticamente cancelada, a partir da data do retorno”.

Seria mais prudente e adequado tecnicamente que a autarquia procedesse à suspensão da prestação, em caso de volta ao trabalho agressivo ou permanência no mesmo, por parte do titular de aposentadoria especial.

Até mesmo porque, o afastamento do ambiente inóspito exigido pela norma não é requisito para a concessão do benefício, mas tão somente para sua fruição.

Ou seja, não está obrigado o trabalhador, que já possui direito à inativação antecipada, demonstrar ao INSS que se afastou do ambiente inóspito, que deixou de exercer a atividade especial, como requisito para o requerimento, processamento, deferimento e implantação do benefício. Não é isso.

O comando do § 8º, do artigo 58 do PBPS, estabelece que o ‘aposentado nos termos deste artigo’, que permanecer sujeito a condições especiais de trabalho, terá sua aposentadoria cancelada. Ou seja, não impede o trabalhador de ter seu benefício deferido, mas unicamente de continuar laborando em situação adversa, o que trará como consequência a cessação da prestação. Para que se cancele a aposentadoria, é necessário primeiro que ela exista.

E, apesar do Ministro Dias Toffoli ter citado o termo “suspensão” ou “suspenso” por três vezes no bojo do seu voto que se sagrou vencedor, constou do item II da tese firmada a possibilidade de CANCELAMENTO da aposentação.

Imperioso anotar que o voto apresentado pelo Ministro Alexandre de Moraes, como já dito, também no sentido de reconhecer a constitucionalidade do impeditivo em estudo, preferiu propor, de forma que reputo mais coerente com a situação fática, a suspensão do benefício em casos de continuidade ou retorno à atividade especial. E o fez com arrimo no magistério de outro grande doutrinador do Direito Previdenciário Brasileiro, o Professor Fábio Zambitte Ibrahim. Peço vênia para a transcrição:

“Ainda nas palavras do professor IBRAHIM, tem-se que:

‘Embora se fale em cancelamento, o mais correto é a suspensão, já que, se o segurado afasta-se das atividades nocivas, o benefício deve voltar a ser pago, pois se trata de direito adquirido deste’.

Destarte, reitero minhas considerações anteriormente esposadas, no que estou muitíssimo bem acompanhado pelo Ministro Alexandre de Moraes e pelo Professor Zambitte, no sentido de ser mais adequada a suspensão do benefício quando da retomada do ofício deletério ou sua continuidade, pelo segurado titular de aposentadoria especial, ao invés do seu cancelamento.

Se mantida intacta a tese firmada pelo Excelso Pretório, qual seja, de possibilidade de cancelamento da inativação antecipada nos casos previstos no § 8º, do artigo 57 da Lei 8.213/91, poderá a autarquia, através de seus tecnocratas de plantão, passar a exigir, depois de efetivamente cancelado o benefício em virtude da continuidade ou regresso à função danosa, que o segurado requeira novamente a prestação, mediante outro processo administrativo, cuja decisão pode ser no sentido do descabimento da aposentação perseguida via restabelecimento ou reativação, em decorrência da conclusão contrária da Perícia Médica Federal acerca da existência de especialidade nos labores desenvolvidos, ou, ainda, devido ao não cumprimento de qualquer outro requisito exigido.

Pode parecer absurdo mas, conhecendo bem a conduta do instituto, sabemos que a possibilidade de ocorrência de tais situações na seara administrativa é temor crível e fundado, vez que o “saco de maldades” dos responsáveis pela elaboração das normas infralegais que orientam os processos de benefícios é historicamente infinito…

Para tanto, com o condão de evitar que atrocidades como essas venham a ser cometidas pelo ente ancilar, necessário se faz que o Excelso Pretório corrija o segundo tópico da tese firmada, para que passe a constar a possível suspensão do benefício e não seu cancelamento. Dessa maneira, se o segurado tiver a prestação suspensa em razão da retomada do labor deletério ou da sua continuidade, quando se afastar da condição especial motivadora da concessão da prestação e também da suspensão, bastará requerer a reativação ou restabelecimento da aposentadoria, sem necessidade de qualquer outra comprovação que não seja o fim do exercício do trabalho nocente.

E referida correção ou adequação no decisum, poderá ser realizada através da atribuição de efeitos infringentes aos embargos de declaração que vierem a ser opostos, principalmente pelos amici curiae admitidos ao feito, como o Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário – IBDP, umas das mais sérias e renomadas entidades de estudo, pesquisa e difusão da matéria previdenciária no Brasil.

3.3) Solução proposta.

Sabemos que em nosso país a concessão de aposentadoria muitas vezes não traz consigo a efetiva inativação do seu detentor. Ou seja, é corriqueiro que o segurado tenha o benefício implantado mas não “se retire para os seus aposentos”, permanecendo na ativa laboral para incrementar o orçamento familiar, servindo os proventos da jubilação como uma espécie de renda complementar.

Isso se dá por variados motivos, dentre eles ao fato que a forma de cálculo do benefício é maléfica, e na maioria das situações o valor decorrente da aposentação é inferior àquele oriundo da atividade laborativa.

Ocorre também porque algumas categorias possuem salários da ativa superiores ao teto do RGPS, e, por esta razão, os segurados que a integram optam por se aposentar e permanecer laborando.

Agora, com o julgamento do Tema 709 pelo STF, o segurado terá que escolher entre receber aposentadoria especial ou exercer atividade agressiva.

Mas, diante do cenário de gravíssima recessão econômica que há anos assola nosso país, com elevados índices de desemprego, os quais já eram preocupantes antes do início da pandemia do novo coronavírus, e foram substancialmente elevados em decorrência desta, como obrigar o segurado aposentado na condição especial a buscar recolocação no mercado de trabalho atual, em função diversa daquela que exerceu por considerável parte da sua vida laboral? Lembrando que, após a decisão em estudo, ou o trabalhador recebe a remuneração advinda do seu ofício agressivo ou percebe a aposentadoria especial, não sendo permitida, inicialmente em nenhuma hipótese, a percepção simultânea de ambos proventos.

Desta forma, considerando a situação de excepcionalidade que atualmente atravessamos e, principalmente, à luz do arcabouço normativo constitucional, que traz como alicerces da nossa República, dentre outros, o valor social do trabalho e o sobreprincípio da dignidade da pessoa humana, urge refletir acerca da adoção de uma fórmula que não obrigue o segurado com aposentadoria especial implantada, a simples e abruptamente renunciar aos proventos oriundos da labuta insalutífera, para poder usufruir da renda da inativação, ou vice-versa.

Lembrando, ainda, que a erradicação da pobreza é uma das finalidades da República, que o direito à previdência social é uma garantia fundamental do cidadão e, porque não também, que o exercício do trabalho é livre, poder-se-ia adotar por analogia, ainda que parcialmente, aos casos dos segurados que se aposentam na especial e continuam atuando na função agressiva ou a ela retornam, as disposições do artigo 47, da Lei 8.213/91, vez que o impedimento contido no § 8º, do artigo 57 objeto deste estudo, estabelece como penalidade à sua transgressão a aplicação da previsão do artigo 46 também do PBPS.

Aclarando: entendo ser plenamente possível a possibilidade de percepção simultânea dos proventos da aposentadoria especial com os da atividade laboral nocente, por um lapso de tempo de, por exemplo, seis meses, necessários para que o segurado inserido nas condições vedadas pelo § 8º, do artigo 57 do PBPS, busque recolocação no mercado de trabalho (às vezes perante o mesmo empregador no qual se deu a inativação), e se adapte de maneira a continuar laborando, porém em ofício que não traga prejuízo à sua saúde ou integridade física, mediante aplicação analógica do artigo 47, igualmente do PBPS, que trata do titular de aposentadoria por invalidez que tem constatada a recuperação da sua capacidade laborativa, e consequente cessação do seu benefício.

Portanto, cabe aos operadores do direito previdenciário refletir na tentativa de encontrar soluções fáticas e jurídicas, que não obriguem o aposentado na especial a renunciar repentinamente a parte da sua renda, seja a oriunda da inativação antecipada, seja a decorrente do labor deletério, enquanto procura sua readequação/recolocação no mercado laboral em ofício que não o sujeite a agentes agressivos, viabilizando, assim, o recebimento simultâneo e integral dos proventos da inatividade e do seu trabalho atual, desta feita sem sujeição a agentes prejudiciais à sua saúde.

Apenas a título de informação, o Projeto de Lei Complementar 245/2019, de autoria do Senador Eduardo Braga, prevê em seu artigo 7º, a possibilidade do detentor de aposentadoria especial permanecer desenvolvendo atividade agressiva por 40% (quarenta por cento) do tempo exigido para a aposentação obtida (15, 20 ou 25 anos), dispositivo este da aludida proposta legislativa severamente prejudicado pelo decisum alvo este estudo.

3.4) Como ocorria na prática, antes do julgamento?

Para melhor discorrermos este tópico, utilizaremos o seguinte exemplo: idealizemos um segurado com direito à aposentadoria especial, ainda no exercício de atividade danosa, que formaliza o requerimento deste benefício junto à autarquia e tem sua pretensão negada. Percorre toda a seara administrativa, restando mantido o indeferimento.

Na sequência, afora a competente ação previdenciária a qual, sem concessão de nenhuma medida antecipatória, depois de dez anos tramitando, reconhece o direito à prestação perseguida, desde a Data de Entrada do Requerimento administrativo, o qual remonta, suponhamos, há 14 anos atrás. No presente exemplo, o segurado se manteve na mesma função por todo esse período, aguardando a solução da sua demanda.

Quando do início da fase de cumprimento de sentença/execução, em sede de impugnação o INSS argumenta estar impedido de implantar o benefício e, por conseguinte, de pagar os atrasados porque o segurado não se afastou da atividade especial. E isso ocorre com frequência nos processos judiciais que se encontram nesta etapa processual.

Como proceder?

A argumentação autárquica não costuma ser albergada porque, primeiramente, como exposto alhures, o afastamento do ambiente laboral agressivo não é requisito para concessão do benefício, mas tão-somente para sua manutenção/fruição.

Primeiramente, como já expusemos anteriormente, o afastamento da atividade agressiva não é requisito para concessão do benefício, mas somente para seu pagamento, fruição.

Pode o trabalhador requerer o benefício e, após sua concessão, pedir a suspensão do mesmo, sem efetuar o saque da primeira prestação nem do PIS e do FGTS, e, assim, permanecer na atividade nocente. É possível também que o segurado com direito à aposentadoria especial, consiga proceder à conversão dos lapsos insalubres em comuns e, após concedida jubilação por tempo de contribuição, requerer sua conversão em especial quando não for mais laborar efetivamente em condições inóspitas.

Mas em nenhum momento a autarquia exige que o segurado se afaste do serviço especial para poder requerer o benefício, ou para que seja o mesmo concedido.

Os mais experientes se recordarão que antigamente, em período anterior à Lei 8.213/91, havia a imposição de desligamento do emprego por parte do segurado para obtenção da aposentação. Normalmente o trabalhador se dirigia a um posto do então INPS, realizava a contagem de tempo de serviço e, constatando o servidor que o segurado já havia implementado as condições mínimas necessárias à outorga da benesse, o orientava a obter junto ao seu empregador a ‘Carta de Desligamento’. E, somente após rompido o vínculo laboral, podia o cidadão se aposentar.

Esse sim – o desligamento – era um requisito exigido para fins de concessão da aposentadoria no cenário anterior à Lei 8.213/91, o que não ocorre com a necessidade de interrupção do exercício de atividade infesta, pois não é condição para implantação do benefício, mas tão somente para sua manutenção.

O segundo ponto para afastar o alegado impedimento suscitado pelo instituto e, na minha opinião, o mais relevante: o segurado não se afastou da labuta inóspita porque o INSS não deixou! Ora, a autarquia, ao erroneamente negar a concessão da inativação especial, de certa forma obrigou o trabalhador a se manter na ativa pois precisava sobreviver, vez que na imensa maioria das vezes a subsistência, não só do laborista mas também da sua família, depende e decorre dos frutos do seu trabalho. Portanto, a persistência no exercício do ofício insalutífero se deu por culpa única e exclusiva do instituto. Assim, incide o conhecido brocardo jurídico “a ninguém é dado invocar em benefício próprio sua torpeza ou equívoco.”

Derradeiramente, ainda para afastar as alusões impeditivas do ente ancilar, cumpre lembrar que o § 3º, do artigo 254, da Instrução Normativa INSS 77/2015, estabelece que o período compreendido entre o requerimento do benefício e a data de ciência da decisão concessória, não poderá ser considerado como de manutenção no labor nocente ou de retorno ao mesmo. Eis o dispositivo em comento:

“Art. 254. A aposentadoria especial requerida e concedida a partir de 29 de abril de 1995, data da publicação da Lei nº 9.032, de1995, em virtude da exposição do trabalhador a agentes nocivos, será cessada pelo INSS, se o beneficiário permanecer ou retornar à atividade que enseje a concessão desse benefício, na mesma ou em outra empresa, qualquer que seja a forma de prestação de serviço ou categoria de segurado.

§3º. Não será considerado permanência ou retorno à atividade o período entre a data do requerimento da aposentadoria especial e a data da ciência da decisão concessória do benefício”.

IV- CONCLUSÃO

a) Coadunamos com o posicionamento do Excelso Pretório externado no julgamento do Tema 709 (RE 791.961/PR), no sentido de ser constitucional o disposto no artigo 57, § 8º da Lei 8.213/91, inserido pela Lei 9.732/98, vez que não afronta a garantia fundamental do livre exercício do trabalho, contida no artigo 5º, XIII, da Carta Cidadã.

A proibição ao segurado titular de aposentadoria especial de permanecer desenvolvendo labor deletério ou a ele retornar, é consentânea ao texto constitucional, pois prima pelo direito fundamental à saúde e, por conseguinte, à vida; observa a igualmente essencial garantia de redução dos riscos inerentes ao trabalho (CF, art. 7º, XXIII); preserva a precípua finalidade protetiva/preventiva da aposentação especial; contempla a lógica e a razoabilidade, dentre outros argumentos favoráveis à sua preservação.

Além disso, a vedação objeto da decisão em tela não impede o segurado que percebe aposentadoria especial de exercer todo e qualquer labor, mas tão-somente aqueles que ensejam a outorga da jubilação antecipada, ou seja, os desenvolvidos com submissão a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física.

b) A conclusão da Suprema Corte reafirma entendimento da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, exarado em sede de Incidente de Uniformização de Jurisprudência (Petição 9.582/RS), no sentido que o termo inicial da aposentadoria especial deve ser fixado na Data de Entrada do Requerimento, ainda que a comprovação da especialidade ocorra em momento muito posterior, como, por exemplo, durante o curso de eventual ação judicial.

c) A decisão do Tema 709 da forma que se encontra, lembrando que o acórdão ainda não foi publicado, ao concluir pela possibilidade de cancelamento do benefício quando da ocorrência da previsão do artigo 57, § 8º do PBPS, pode dar margem a interpretações tergiversantes por parte da autarquia, mormente no âmbito administrativo, no sentido de ser necessário que o segurado que teve sua aposentação cancelada pelo retorno à atividade especial ou porque nela permaneceu, requeira novamente o benefício, através de outro procedimento administrativo, postulação que pode vir a ser negada por diversos motivos, dentre eles o rechaço ao enquadramento como especial de eventual período assim já considerado anteriormente.

O mais adequado seria que o decisum do leading case em estudo possibilite a suspensão, e não o cancelamento, da inativação antecipada em caso de continuidade ou retorno ao labor deletério, correção esta que ainda pode ser realizada através da atribuição de efeitos infringentes aos embargos de declaração que serão eventualmente opostos.

Ademais, pode ainda a Suprema Corte modular os efeitos da decisão, de modo a aclarar quais serão seus reflexos e efeitos práticos e temporais, nos casos que ela visa conformar.

d) É premente que se adote, principalmente diante das gravíssimas crises financeira e de saúde pública que atualmente vivenciamos, com maléficos e inéditos reflexos nos índices de desemprego, solução que permita ao titular de aposentadoria especial e que continua se ativando em ofício danoso, ou que volte a exercer ocupação nocente, perceber concomitantemente os proventos oriundos da jubilação e do trabalho inóspito, por certo lapso de tempo, a ser definido mediante critérios técnicos, científicos e estatísticos, período este necessário para se recolocar/readequar ao mercado de trabalho, em função que não o sujeite a agentes agressivos à sua saúde.

Para impulsionar a reflexão proposta, este trabalho sugere a aplicação analógica do artigo 47, da Lei 8.213/91, inicialmente permitindo o recebimento simultâneo da aposentação especial em sua integralidade com a remuneração da labuta nocente, pelo período mínimo de seis meses.

CARLOS “CACÁ” DOMINGOS

Advogado há 23 anos, atuando com exclusividade em Direito Previdenciário há cerca de 20 anos. Bacharel em Ciências Sociais e Jurídicas pela Universidade Católica de Santos – UNISANTOS (1997). Especializado em Direito Previdenciário pela Escola Paulista de Direito Social – EPDS (2007). Co-autor das obras Direito Marítimo – Temas Atuais e Estudos Aprofundados sobre a Reforma da Previdência. Autor do livro Aposentadoria Especial Antes e Depois da Reforma da Previdência (junho/2020). Professor de cursos de pós-graduação em oito instituições. Palestrante.

BIBLIOGRAFIA

– DOMINGOS, Carlos “Cacá”. Aposentadoria Especial Antes e Depois da Reforma da Previdência. 1ª edição. São Paulo. Editora LuJur. 2020. Páginas 305/306.

– LADENTHIN, Adriane Bramante de Castro. Aposentadoria Especial – Teoria e Prática. 3ª edição. Editora Juruá. Curitiba. 2016.

– RIBEIRO, Maria Helena Carreira Alvim. Aposentadoria Especial – Regime Geral de Previdência Social. 8ª edição. Curitiba. Editora Juruá. 2016.

– FREUDENTHAL, Sérgio Pardal. Aposentadoria Especial. 1ª edição. São Paulo. LTr. 2000.

– IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 20ª edição. Niterói/RJ. Editora Impetus. 2015.

– ROCHA, Daniel Machado da. SAVARIS, José Antônio. Coordenadores. Curso de Especialização em Direito Previdenciário. Curitiba. Editora Juruá. 2006.


[1] BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4a Região. Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade – processo 5001401-77.2012.4.04.0000. Corte Especial. Rel. Des. Fed. Ricardo Teixeira do Valle Pereira. Julgado em 24/05/2012.

[2] DOMINGOS, Carlos “Cacá”. Aposentadoria Especial Antes e Depois da Reforma da Previdência. 1ª edição. São Paulo. Editora LuJur. 2020. Páginas 305/306.

[3] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário RE 791.961/PR. Pleno. Rel. Min. Dias Toffoli. Julgado em 08/06/2020. Acórdão ainda não publicado.

[4] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário RE 791.961/PR. Pleno. Rel. Min. Dias Toffoli. Voto do Ministro Alexandre de Moraes. Julgado em 08/06/2020. Acórdão e votos ainda não publicados.

[5] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Incidente de Uniformização de Jurisprudência. Petição 9.582/RS. 1ª Seção. Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho. Julgado em 26/08/2015. DJe 16/09/2015.

[6] BRASIL. Conselho de Recursos da Previdência Social – CRPS. Resolução 02, de 02/12/1993. DOU 18/01/1994.

[7] BRASIL. Instituto Nacional do Seguro Social – INSS. Instrução Normativa 77, de 21/01/2015. DOU 22/02/2015.