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Por Administrador em 17 de dezembro de 2013 | Categoria: Artigos

Já há alguns anos a discussão sobre o fator previdenciário permeia o debate na sociedade civil. Algumas entidades defendem a extinção pura e simples do mecanismo redutor, ao passo que outras sugerem sua substituição por sistemática menos gravosa ao segurado e que, ao mesmo tempo, não “ameace” o superavitário cofre da Previdência Social.

Criado com a Lei nº 9.876/99, o fator previdenciário consiste em uma fórmula utilizada no cálculo de certos benefícios que leva em consideração a idade do segurado ao se aposentar, o tempo de contribuição e a expectativa de sobrevida, apurada através da tábua de mortalidade divulgada pelo IBGE.

Na verdade, trata-se de um “fator de vingança”, uma resposta do Governo da época ao Congresso Nacional que, quando da aprovação da Emenda Constitucional nº 20/98, rejeitou a adoção de uma idade mínima para concessão de aposentadoria por tempo de contribuição integral, sendo que o requisito etário restou aprovado somente para as aposentadorias proporcionais e em sede de regra de transição, uma vez que tal modalidade de jubilação foi extinta pela mencionada Emenda (art. 9º).

O mesmo diploma legal que introduziu o fator previdenciário no ordenamento jurídico pátrio também alterou o Período Básico de Cálculo (PBC) que, antes composto pelos 36 últimos salários-de-contribuição anteriores à data de afastamento da atividade ou à data de entrada do requerimento, apurados em um período não superior a 48 meses, passou a considerar as 80% maiores contribuições de toda a vida contributiva do segurado.

O fator previdenciário incide obrigatoriamente na aposentadoria por tempo de contribuição, sendo que na aposentadoria por idade sua aplicação é optativa, ou seja, somente será utilizado caso gere acréscimo na Renda Mensal Inicial.

Prestes a completar 14 anos de existência, o famigerado fator previdenciário continua a gerar acalorados debates. Com presença constante nas pautas de reivindicações de diversas entidades dos mais variados segmentos, a extinção do fator previdenciário proposta pelo Projeto de Lei nº 3.299/08, oriundo do Senado e aprovado na citada Casa, aguarda, desde pelo menos 2010, inclusão na pauta de votação do Plenário da Câmara Federal.

Contudo, seguindo os ditames do governo anterior, o Poder Executivo Federal empenha toda gama de subterfúgios para impedir que a votação ocorra.

Como o governo não admite, tampouco negocia, a extinção do fator sem alguma compensação ou contrapartida, muitas são as propostas para sua substituição. No próprio PL nº 3.299/08, o relator na Comissão de Finanças e Tributação, o então Deputado Pepe Vargas (PT-RS), apresentou substitutivo sugerindo a adoção da Fórmula 85/95. Basicamente, aludida proposição estabelece que, para concessão de aposentadoria por tempo, a somatória de contribuição e idade da mulher deve alcançar 85, e do homem 95.

Outra sugestão de substituição do fator, visando estimular o trabalhador a postergar a aposentadoria, consiste em isentar da contribuição previdenciária aqueles que, atingindo 35 anos de tempo de contribuição se homem, e 30, se mulher, optem por permanecer em atividade e não requerer o benefício. Porém, enquanto a discussão está estagnada no âmbito do Congresso Nacional, quem continua a sofrer incisivamente seus maléficos efeitos são os trabalhadores brasileiros.

Sua aplicação resulta em drástica redução no valor da imensa maioria das aposentadorias por tempo de contribuição concedidas. Citamos como exemplo um segurado que, contando com 50 anos de idade e 35 anos de tempo de contribuição, terá o fator previdenciário de 0,5977. Expondo em números, caso a média contributiva deste trabalhador seja de R$ 2.000,00, terá como renda inicial do benefício somente R$ 1.195,40.

Inobstante a decisão do Supremo Tribunal Federal em sede de Medida Cautelar na ADI nº 2.111, muito ainda se discute acerca da inconstitucionalidade do fator previdenciário. Dentre diversos fundamentos hábeis a demonstrar referida inconstitucionalidade, destacamos: (i) a isonomia de gênero na apuração da expectativa de sobrevida; (ii) a ausência de previsão constitucional para a adoção da mencionada expectativa de sobrevida para cálculo de benefício; (iii) a imposição por via indireta de requisito etário para concessão da aposentadoria de tempo de contribuição; (iv) afronta ao princípio da igualdade, pois a tábua de mortalidade calculada pelo IBGE não considera as especificidades regionais.

Lapidar sentença exarada pela Primeira Vara Federal Previdenciária de São Paulo, da lavra do e. Juiz Federal Marcus Orione G. Correia (Processo nº 0009542-49.2010.403.6183, julgado em 30.11.10), um dos maiores estudiosos de Direito Previdenciário no nosso país, aborda com maestria os aspectos inconstitucionais acima descritos.

Já a desaposentação, apesar de habitar o cenário acadêmico/doutrinário desde 1987, quando o Professor Wladimir Novaes Martinez publicou pioneiro artigo1 sobre o tema, apenas recentemente vem ganhando força como alternativa capaz de minimizar os perniciosos efeitos gerados pelo fator previdenciário. Negada pelo INSS no âmbito administrativo em razão da ausência de previsão legal que a autorize, milhares de ações sobre o tema inundam o Judiciário pátrio.

Ensina o culto Doutor Fábio Zambitte Ibrahim, autor do primeiro livro sobre a matéria, que a desaposentação:

traduz-se na possibilidade do segurado renunciar à aposentadoria com o propósito de obter benefício mais vantajoso, no Regime Geral de Previdência Social ou em Regime Próprio de Previdência Social, mediante a utilização de seu tempo de contribuição. Ela é utilizada colimando a melhoria do status financeiro do aposentado […]. O objetivo dela é liberar o tempo de contribuição utilizado para aquisição da aposentadoria, de modo que este fique livre e desimpedido para averbação em outro regime ou para novo benefício no mesmo sistema previdenciário, quando o segurado tem tempo de contribuição posterior à aposentação, em virtude da continuidade laborativa.2

Os autores Theodoro Vicente Agostinho e Sérgio Henrique Salvador, por seu turno, com brilhantismo demonstram a finalidade protetiva do instituto em comento, assim explanando:

[…] a desaposentação visa autenticamente ao aprimoramento e à concretização da proteção individual, não tendo o condão de afetar qualquer preceito constitucional, pois jamais deve ser utilizada para desvantagem econômica de quem quer que seja.
Também é fato que, por meio da desaposentação, o indivíduo, diante de realidades sociais e econômicas divergentes, almeja em si tentar superar as dificuldades encontradas, pugnando pela busca incessante por uma condição de vida mais digna.3

Variados e robustos são os argumentos contra e a favor da desaposentação, não cabendo neste sucinto trabalho a análise e discussão acerca de tais fundamentos. Contudo, não poderia este subscritor deixar de externar seu posicionamento contrário ao instituto em comento.

E, para fins de dialética, admitindo-se o cabimento da desaposentação, resta ainda definir se é necessária para sua concretização a devolução dos valores que o segurado percebeu enquanto aposentado. A celeuma aqui posta restou parcial e temporariamente pacificada pela Primeira Seção do c. Superior Tribunal de Justiça, ao julgar enquanto representativo de controvérsia o Recurso Especial nº 1.334.488-SC (DJe 14.05.13), decidindo pela prescindibilidade de restituição da importância recebida decorrente do benefício anterior.

No entanto, a questão somente será definitivamente dirimida quando o Excelso Pretório retomar e concluir o julgamento do Recurso Extraordinário nº 381.367-RS, vez que a matéria teve repercussão geral reconhecida no Recurso Extraordinário nº 661.256-SC (DJe 26.04.12).

CONCLUSÃO

Criado nitidamente com o intuito de reduzir o valor dos benefícios e postergar os pedidos de aposentadoria, em especial de aposentadoria por tempo de contribuição, o fator previdenciário, além de eivado de inconstitucionalidades, rechaça a finalidade de proteção social própria do sistema previdenciário.

Introduzindo, ainda que indiretamente, requisito não previsto na Lei Maior (idade), para fins de concessão de aposentadoria por tempo, ao reduzir os valores destes benefícios, o fator previdenciário, de certa forma, impele o aposentado a permanecer em atividade ou retornar ao trabalho, em busca de uma subsistência digna.

Pior que a economia trazida pelo abusivo redutor para os cofres da Previdência Social é pífia e, de outro lado, compromete consideravelmente o orçamento do aposentado, que em média perde entre 30% e 40% daquilo que deveria ser o valor integral da sua aposentadoria.

Soluções tergiversais surgem em decorrência da incessante procura do segurado por uma renda de jubilação que corresponda, ainda que proximamente, à remuneração auferida quando em atividade – dentre as medidas encontradas está a desaposentação, ainda que seu surgimento no mundo acadêmico/doutrinário seja muito anterior ao fator previdenciário.

Para que sigamos na busca pela efetivação dos princípios e fundamentos de nossa República, estampados nos arts. 1º e 3º da Lei Maior, dentre eles dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho, distribuição de riqueza e redução das desigualdades sociais, imperiosa se faz a total extinção do fator previdenciário, sem imposição de qualquer espécie de contrapartida.

CARLOS RENATO G. DOMINGOS é Advogado especializado em Direito Previdenciário.

NOTAS
1 Cf. Suplemento Trabalhista nº 4/87, LTr.
2 In: Desaposentação – O caminho para uma aposentadoria melhor. 5. ed. Niterói: Impetus, p. 35.
3 In: Desaposentação – Instrumento de proteção previdenciária. Florianópolis: Conceito Editorial, p. 38-39.

“Para que sigamos na busca pela efetivação dos princípios e fundamentos de nossa República, estampados nos arts. 1º e 3º da Lei Maior, dentre eles dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho, distribuição de riqueza e redução das desigualdades sociais, imperiosa se faz a total extinção do fator previdenciário, sem imposição de qualquer espécie de contrapartida.”

Matéria de Capa da edição nº 403 da Revista Jurídica Consulex, de 1º de novembro.

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